Podemos aprender uma segunda língua do mesmo jeito que aprendemos a primeira?
- Categorias Aprender
- Data setembro 27, 2021
- Tags Aprender idiomas
Se alguma vez já duvidou que você é um bom aprendiz de línguas, tenha em mente que você já aprendeu uma língua muito bem – sua língua materna. Mas isso levanta um questionamento interessante: os adultos conseguem aprender uma segunda língua do mesmo jeito que aprenderam a primeira quando crianças? Se sim, quais são os impactos disso nas aulas do curso de idiomas?
Stephen Krashen e a aquisição da linguagem
Talvez ninguém tenha estudado mais sobre isso do que o linguista Stephen Krashen, que introduziu alguns dos conceitos mais influentes nos estudos sobre aquisição da linguagem.
Na sua teoria de input (aquilo que é inserido, ou estímulo), publicada em 1977, ele faz distinção entre aprender: o processo consciente e baseado na gramática da sala de aula; e aquisição: como as crianças aprender sua primeira língua. Ele diz que nosso erro é tentar ensinar línguas do mesmo jeito que ensinamos ciência, história e matemática. Ao invés disso, ele acredita que aprendizes deveriam adquirir a segunda língua do mesmo jeito que as crianças aprendem sua língua materna.
Então, como crianças e aprendizes adultos proficientes realizam o milagre de aprender um idioma, e o que os professores podem aprender com isso? Krashen diz o seguinte:
1. Nós adquirimos a linguagem quando entendemos a mensagem
Alunos precisam ser expostos ao que Krashen chama de input compreensível – que é, contato com materiais de leitura e compreensão auditiva compreensíveis e interessantes, por exemplo. Na visão de Krashen, adquirimos a língua quando entendemos a mensagem. Ele estipula que a ênfase deveria ser nos significados e não no exercício. Quando pais falam com seus filhos, por exemplo, a ênfase é no significado ao invés ser no uso correto da gramática. Se a criança diz: “Pai peixe água!”, o pai tende a responder, “Sim, você está certo, tem um peixe no rio”, ao invés de corrigir a frase. A teoria aqui é que a exposição a uma quantidade compreensível de input (neste caso língua) resulta em aquisição.
2. Alcançar o nível elevado é crucial
Krashen destaca que é importante que o input compreensível precisa ser do nível certo para o aprendiz, isto é, um pouco mais alto do que o nível dele mesmo. Ele chama isso de nível teórico ‘i + 1’. Um bom exemplo prático disso são os livros nivelados. Há livros que são especialmente criados para aprendizes de língua estrangeira de diferentes níveis, como A1, B1, C2, etc. do Quadro Comum Europeu (CEFR).
3. O período silencioso
Crianças não nascem falando suas línguas nativas. Até que elas pronunciem suas primeiras palavras, elas estão adquirindo a linguagem, mesmo quando ainda não estão a usando. As primeiras palavras e frases que surgem são o resultado dessa aquisição. Aprendizes adultos, dentro e fora da sala de aula, também precisam desse período de silêncio (Silent Period). Professores não devem se preocupar quando alunos não participarem de debates em aula – talvez eles estejam só adquirindo a linguagem. Além disso, pressionar o aprendiz a falar antes dele estar pronto vai resultar em ansiedade.
4. Ansiedade é o arqui-inimigo do aprendiz
Isso me lembra um dos insights mais famosos de Krashen, ou seja, o filtro afetivo. Isto significa que o nível de aquisição diminui se estamos sob estresse ou se sentimos ansiedade. Por sorte, a maioria das crianças tem um ambiente de aprendizado da língua livre de estresse em casa com seus pais. Mas, para aprendizes de uma segunda língua, a sala de aula pode causar ansiedade. A lição aqui para os professores é que eles podem criar um ambiente similar transformando a sala de aula em um lugar onde as pessoas se sentem confortáveis e relaxadas.
5. A teoria do monitoramento
De acordo com Krashen, aprendizado consciente não é fonte de fala espontânea, apenas output monitorado, tanto na escrita quanto na fala. Em outras palavras, quando aprendizes formulam livremente algo na língua alvo, eles podem apenas se basear no repertório adquirido e checar se está gramaticalmente correto. Isso reduz os erros enquanto o aprendiz aplica conscientemente regras aprendidas antes mesmo de falar (ou escrever) através de autocorreção. Como muitas pessoas valorizam a fala correta, especialmente em situações mais formais, o monitoramento pode ser visto como uma razão para manter o foco na gramática em uma aula.
Uma forma de aplicar isso em sala de aula seria fazer com que os alunos notassem aspectos gramaticais em textos escritos e em áudio usando uma abordagem guiada. Por exemplo, se o aluno recebe uma atividade de ouvir sobre a biografia de alguém famoso que ainda está vivo, o professor pode pedir para o aluno ler o áudio transcrito e sublinhar todos os exemplos de presente perfect. Isso pode ser seguido de uma breve discussão, guiada pelo professor, sobre como os tempos verbais são usados em determinadas situações, checando sempre se os alunos compreenderam o uso do idioma. Contudo, Krashen deixa claro que o foco da atividade deve ser passado para os alunos da maneira mais compreensível possível. Professores devem basear suas aulas em interações compreensíveis com muitos áudios e textos nivelados (input).
6. A hipótese natural
A gramática e o vocabulário da língua são adquiridos na mesma forma, independente de quem é o aprendiz, que língua ele está adquirindo e a estrutura gramatical do idioma em questão. Você pode ensinar voz passiva, (…), mas os alunos os alunos não irão aprender a menos que eles estejam preparados. Certos elementos da gramática são adquiridos tardiamente, como o “–s” da terceira pessoa do singular e outros são aprendidos logo. Isso explica porque minha sobrinha continua dizendo “Daddy go to work every day” (Papai ir para ir trabalho todo dia) mesmo quando ela já domina estruturas gramaticais mais complexas como a forma condicional, “I would do it if I had time” (Eu faria isso se tivesse tempo). (…) Isso gera dúvidas ao ensinar temas gramaticais muito cedo, ou seja, antes de os alunos estarem prontos para adquirirem eles (…).
As vantagens que crianças têm sobre os aprendizes adultos
Antes de ver os efeitos dos insights de Krashen na sala de aula, devemos lembrar das vantagens que crianças têm quando aprendem uma segunda língua. Uma das vantagens é que elas são expostas a uma grande quantidade de input do nível certo e não há pressão para eles falarem até que estejam prontos. Crianças também podem levar o tempo que quiserem e esperar até que se sintam confiantes ante de tentarem falar. Além disso, geralmente eles têm baixas expectativas sobre eles mesmos e isso ajuda a ter certeza de que os níveis de ansiedade são baixos, o que ajuda na aquisição do idioma.
Uma das coisas mais surpreendentes é que quando as crianças estão aprendendo, o aprendizado por si só não é o objetivo deles. Pelo contrário, ele é o que vem junto de outro objetivo, que pode ser fazer amigos na escola, por exemplo. Além disso, eles captam os elementos da sua língua materna na sua ordem natural. Eles não são ‘cobrados’ par usar a gramática ante de estarem prontos para isso. Ao invés disso, eles adquirem a língua primeiro e aí consideram a estrutura. Finalmente, eles aprendem os elementos de uma língua na ordem natural.
Os efeitos práticos das ideias de Krashen na sala de aula
Das teorias de Krasehn, e sabendo das vantagens que as crianças têm sobre os adultos, quando se trata de aprender idiomas, podemos concluir que condições ajudam a transformar o ambiente perfeito para o aprendizado. Primeiro, o tempo de aula deve ser aproveitado para expor o aluno ao máximo de linguagem compreensível (input). Segundo, a aula não pode gerar estresse para o aluno e eles devem ser encorajados a relaxar e adquirir o idioma se divertindo.
Um fato importante sobre os efeitos das descobertas de Krashen é que alunos, particularmente de níveis mais iniciantes, deveriam ser menos cobrados para falar e materiais e a fala dos professores deveriam ser adequados ao nível do aluno. Além disso, gramatica deve ser ensinada na base do “precisa saber” e apenas para estudantes mais velhos. Finalmente, mas não menos importante, aulas não deveriam ser baseadas em pontos gramaticais, mas sim na produção de significado.
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Esta é uma tradução de um artigo de Robert William McCaul, que foi publicado em 11 de fevereiro de 2016 no site British Council. Leia o texto original clicando aqui.
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